quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

NÃO SOMOS DONOS DA BELEZA...



Me lembro de coisas antigas, de quando eu me maravilhava absurdamente com o mundo!! Eu passava pelas paisagens da minha existência observando a vida, simplesmente a vida! E a vida é incrível, em sua simplicidade, em sua lei absoluta e imutável. Na minha infância, a vida me comunicava com seus mistérios que havia algo muito além do que eu podia ver, eu percebia a mágica das coisas que eu não conhecia e tinha vontade de roubá-las um pouco e me sentir como Deus. Eu achava que todos os outros seres me entendiam, que eu poderia até falar com eles, e mesmo que eles só me olhassem eu acreditava que quando eu sorrisse eles sentiriam o que eu queria dizer. Eu achava que essa beleza da vida poderia ser tocada, que simplesmente se eu quisesse eu poderia olhar pro céu e pedir a Deus que ele me desse o poder de tocar sua fonte de beleza, a vida.
Me lembro de como era bom sentir a leveza da inocência de acreditar, de simplesmente acreditar. Chorei muito uma certa vez em que um pássaro estava lá parado no meio da estrada e meu pai parou o carro pra pegá-lo. Ele estava ferido, não lembro bem o que tinha acontecido com ele. Acho que alguém havia atirado alguma pedra e sua asa estava sangrando. O pássaro calmamente permanecia imóvel, ele não podia chorar e nem se rebatia pelo que sentia. Nem poderia ele me dizer nada, mas eu sentia que aquela calma era uma forma de dor. Então, sem dúvidas, sem pestanejar, eu o peguei e o coloquei no meu colo. Rezei ininterruptamente, pedi a Deus pra salvá-lo. Porque eu acreditava que naquele desejo que em mim gritava por dentro, se eu clamasse a Deus não haveria como aquele pássaro morrer. Ele ainda estava quente, e eu sentia o calor dele nas minhas mãos. Depois de horas acalentando aquela dor tão bela, vi que ele simplesmente morreu...morreu em sua calma, como se de fato estivesse ido embora, porque haveria de ir, se despedindo fria e inevitavelmente, como quem deixa saudades.
Me decepcionei bastante com Deus, por ter me roubado aquela beleza. Me roubando também algo que eu acreditava e me deixando desacreditada da certeza de que Deus entenderia minha vontade de salvar o animal. Já que ele não me ouviu....depois desse dia, sempre chorava quando minha mãe matava uma das aves do quintal para a refeição. Porque eu sabia que Deus jamais me ouviria...Embora cômico, quando a ave morria eu ía lá e jurava pros pintinhos que eles conseguiriam lutar pela vida, que eles tinham que ser fortes. Porque entendi que a vida é uma só, que a gente tem que cuidar dessa beleza de viver porque ela é simplesmente fulgaz, e só é nos dada uma chance.
Até hoje continuo maravilhada com essa vida estampada de coisas belas. Belas e sujas...mas sem nenhuma certeza, sem garantias de que Deus possa me ouvir, embora continue gritando por dentro, pedindo tantas vezes que ele em algum lugar me ouça. O que sei é que a minha chance de viver ainda está valendo e eu vivo. Se em algum momento chegar minha hora de pássaro, eu também vou ser calma. Vou simplesmente permanecer quieta e saborear a minha dor sem pena de mim. Porque eu sei que se o pássaro partiu é porque em algum outro lugar há de haver muito mais beleza....

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